por JOÃO CARLOS ARTIGOS
Nos últimos anos tenho defendido a tese de que o ofício de palhaço está sofrendo uma concorrência desleal de políticos e governantes de nosso tempo.
O artifício do cinismo, da dissimulação e da inversão das lógicas éticas tem sido maquiavelicamente utilizado para fins que não têm a menor graça. A cada dia constatamos que nada é mais absurdo que a realidade.
Em época de eleição, vimos um palhaço servir de bode expiatório para que os formadores de opinião destilassem todo seu preconceito contra uma categoria profissional e também evidenciassem as diferenças de classe. Assunto fora de moda no mundo globalizado onde "mobilidade social é garantida para todos", mas que serve a poucos.
Pergunto-me: qual é a diferença entre um candidato que é palhaço, outro que é jogador de futebol, atriz, ator, cantor, cantora, ou mesmo um parente de político catapultado para esta missão por conta de uma herança familiar? Na verdade, a preparação para exercer um cargo eletivo não é decorrente da origem ou da categoria profissional do candidato. Vem, sim, de sua capacidade de articular as ferramentas técnicas para o exercício de tal função.
Os palhaços são, como diz Fellini, "a sombra do ser humano destorcida", revelando sua imperfeição, trazendo à tona o que tentamos diariamente esconder: nossas limitações e estupidez. Historicamente, os palhaços funcionam como arautos de seu tempo, um arquétipo que está aí para apontar nossas contradições e subverter as lógicas opressoras e discriminadoras. Logo, o poder é algo intrinsecamente ligado ao universo do palhaço. Algo como vírus e vacina. Não em uma visão maniqueísta entre o bem e o mal, mas como o atrito permanente que pode gerar vida. Temos exemplos históricos de vários bobos da corte que foram fiéis conselheiros de seus reis. Porém, nós — os palhaços — nunca assumimos o poder e jamais poderemos assumi-lo, para não comprometer nosso poder, o poder de crítica.
Quando pensamos o tema deste ano do "Encontro Internacional de Palhaços Anjos do Picadeiro 9", me perguntei: "Rio para quem? O que hoje é capaz de nos fazer rir? O que nos tira o humor? E que lugar está sendo reservado aos artistas palhaços, do circo de verdade, no projeto de cidade pensado para grandes eventos que nossa cidade quer receber?"
A praça já não é do povo, como o céu é do avião. As políticas culturais andam a passos lentos por aqui. Por isso, reafirmo: estamos em pé sem cair, deitados sem dormir. Somos palhaços, mas não somos bobos e sempre estaremos de prontidão, utilizando o riso como arma de inclusão e criação de territórios de pertencimentos.
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