João Cândido, líder da Revolta da Chibata, será lembrado em ato do Sindicato no próximo dia 19 São Paulo
“Salve o navegante negro, que tem por monumento as pedras pisadas do cais.”
O refrão de Aldir Blanc e João Bosco ficou famoso na voz de Elis Regina, mas não são muitos os que sabem a quem ele se refere. A música O Mestre-Sala dos Mares homenageia um dos mais importantes heróis do movimento negro no país, o marinheiro João Cândido Felisberto, que liderou a Revolta da Chibata em 22 de novembro de 1910, no Rio de Janeiro. O levante protagonizado por marinheiros negros – na época 90% do contingente da Marinha do Brasil era formado por negros – foi contra os castigos físicos impostos, especialmente o uso da chibata.
João Cândido, o “Almirante Negro”, é um dos três homenageados este ano no cortejo pelo Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro), que o Sindicato realiza há 10 anos pelas ruas do Centro. Os outros dois homenageados são Seu Nenê, fundador da escola de samba Nenê de Vila Matilde, morto no último dia 4 de outubro, e o orixá de 2010 na umbanda, Ossain, o senhor das folhas.
Pela primeira vez o cortejo, que este ano será realizado no dia 19, será temático. A ideia, segundo a Secretaria Cultural do Sindicato, é resgatar a história do país homenageando personagens e heróis da luta e da cultura negra. O orixá também será lembrado como símbolo do sincretismo religioso brasileiro, herança da forte influência africana no Brasil.
Almirante negro – Filho de ex-escravos, João Cândido nasceu em 24 de junho de 1880, no interior do Rio Grande do Sul. Entrou na Marinha Brasileira aos 14 anos de idade e em 15 anos de Armada destacou-se como um dos melhores oficiais com diversas viagens no currículo por pelo menos 15 países do mundo. Admirado pelos companheiros de corporação e muito elogiado por seus superiores, João Cândido era um líder natural e como tal foi o escolhido para liderar a revolta.
Apesar da escravidão ter sido abolida 22 anos antes, em 1888, e do uso da chibata como castigo ter sido proibido em decreto do regime republicano, em 1889, a Marinha ainda punia os marujos com o instrumento (espécie de chicote). Homens livres e a serviço de seu país, os marinheiros ainda eram tratados como escravos, açoitados violentamente nos navios, na frente de toda a tripulação. Esgotadas as tentativas de resolver o problema na diplomacia – João Cândido chegou a representar os marinheiros em audiência com Nilo Peçanha, antecessor de Hermes da Fonseca, o presidente em 1910 – os navegantes organizaram o levante. No dia 22 de novembro, os navios de guerra Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Deodoro aportaram na baía de Guanabara e apontaram seus canhões para a cidade do Rio de Janeiro, na época capital do país. O levante, que durou seis dias e no qual seis oficiais foram mortos, arrancou do governo o compromisso de acabar com a chibata. No dia seguinte, no entanto, o governo promulgou um decreto determinando a expulsão de marinheiros que representassem “risco”, numa clara retaliação aos revoltosos.
João Cândido foi expulso da Marinha e preso em dezembro de 2010. Nunca conseguiu em vida a anistia nem a reintegração. Foi solto e novamente preso por um período anos depois, sofreu privações pelo resto de seus anos, quando se sustentou como estivador e descarregando peixes no cais do Rio de Janeiro. Morreu pobre e esquecido aos 89 anos, em 1969, no Rio.
Uma estátua de João Cândido ocupa a Praça Quinze de Novembro, no Centro do Rio. Em 2008, o líder da Revolta da Chibata e seus companheiros conquistaram anistia. A lei do Senado foi vetada, no entanto, na parte que determinava a reintegração dos marinheiros já falecidos sob o argumento de que representaria custos para a União que teria de pagar os benefícios devidos a seus descendentes. O argumento foi acatado ainda que somente duas famílias tenham se apresentado como descendentes dos revoltosos, uma delas a do próprio João Cândido.
Andréa Ponte Souza - 12/11/2010
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