Em resposta ao texto São Paulo Arde: o espectro da polítca na Bienal, divulgado pelo artista Roberto Jacoby em seguida à solicitação de retirada ou encobrimento de parte da obra El alma nunca piensa sin imagen, exibida na 29ª Bienal de São Paulo, os curadores-chefes da exposição vêm a público declarar o seguinte:
1. Ao contrário do que o texto afirma, em momento algum o projeto apresentado à curadoria da 29ª Bienal de São Paulo pelo Sr. Roberto Jacoby fazia referência direta à campanha presidencial no Brasil. Em todas as inúmeras comunicações feitas (por email, skype e telefone), o artista afirmou querer refletir sobre processos eleitorais a partir de uma campanha fictícia e hipotética. O conteúdo das informações fornecidas pelo artista está expresso no texto que apresenta sua obra, publicado no catálogo e no site da exposição.
2. O fato de as imagens dos candidatos Dilma Roussef (PT) e José Serra (PSDB) estarem publicadas no catálogo e no site da 29ª Bienal de São Paulo não atesta, em absoluto, o conhecimento prévio da curadoria sobreo conteúdo do trabalho tal como apresentado no espaço expositivo. As imagens foram entregues pelo artista apenas ao final do prazo de fechamento da edição do catálogo, com o objetivo suposto (nenhuma informação específica ou diferente daquelas anteriormentes fornecidas foi oferecida pelo artista) de simbolizar a referida campanha fictícia e hipotética, dada a fácil identificação das imagens com o tema do trabalho. Não aceitá-las significaria deixar as páginas do catálogo em branco e não confiar na palavra do artista sobre o conteúdo de sua participação na 29ª Bienal de São Paulo. Presunção que se mostrou, como o desenrolar dos fatos iria provar, pouco prudente.
3. Ao iniciar a montagem do trabalho, o artista e demais membros de sua equipe vestiam camisetas em apoio à candidata Dilma Roussef e passaram a desenrolar e a exibir partes das fotografias dos candidatos que afixariam em seguida nas paredes (registre-se que tais fotografias foram produzidas sem controle e sem qualquer conhecimento da instituição, por decisão do artista). Simultaneamente, foi publicada matéria no jornal O Estado de São Paulo sobre o suposto conteúdo do trabalho do artista para a 29ª Bienal de São Paulo, a partir de entrevista feita com Roberto Jacoby: estabelecer um comitê de campanha para Dilma Roussef no interior da 29ª Bienal de São Paulo, chamado “Brigada Argentina por Dilma”.
4. A curadoria imediatamente alertou o artista para os possíveis problemas que esse projeto poderia causar, por estar infrigindo Lei Federal que proíbe a realização de propaganda eleitoral em prédios públicos (o pavilhão da Bienal é propriedade da Prefeitura de São Paulo) durante o período de campanha política. Essa infração seria ainda acompanhada por uma outra igualmente grave: fazer campanha eleitoral com recursos públicos (a 29ª Bienal de São Paulo é majoritariamente financiada com recursos públicos provenientes da Lei Rouanet). O Sr. Roberto Jacoby tranquilizou os curadores, afirmando que não descumpriria nenhuma lei brasileira, e que não nos preocupássemos. Segundo nos garantiu, os jornalistas teriam interpretado mal o que havia dito. Uma vez mais, confiamos e acreditamos no artista. Recorremos na imprudência.
5. Na noite de abertura da 29ª Bienal de São Paulo para convidados (21 de setembro), o Sr. Roberto Jacoby e os demais membros da “Brigada Argentina por Dilma” distribuíram ao público, ao contrário do que o artista havia afirmado, farta propaganda eleitoral em favor de Dilma Roussef, além de difundirem, em monitor posto na sala de exposição, depoimentos gravados de várias pessoas em apoio à candidata.
6. Alertados por membros do próprio Governo Lula (preocupados com a possível repercussão negativa que o uso de recursos liberados pelo Ministério da Cultura fossem utilizados para fazer campanha ilegal de sua candidata) e por juristas consultados informamente, a Presidência da Fundação Bienal de São Paulo decidiu consultar formalmente a justiça eleitoral sobre a situação. A resposta foi bastante clara: o trabalho do Sr. Roberto Jacoby configurava crime eleitoral e poderia, se autuado e julgado como tal, comprometer a capacidade da instituição em estabelecer convênios com órgãos públicos no futuro . A Presidência da Fundação Bienal de São Paulo e a curadoria da 29ª Bienal de São Paulo decidiram não incorrer em riscos que, causados pela má-fé do Sr. Roberto Jacoby, pudessem comprometer o processo de recuperação da instituição, que há menos de dois anos era dada como falida. Como gestores públicos, seria ato de injustificável irresponsabilidade com um bem público que ora é devolvido à sociedade brasileira.
7. Ao contrário do que o texto divulgado pelo Sr. Roberto Jacoby afirma, o alerta de um dos curadores a respeito dos riscos de penalização pessoal da situação se referia ao próprio artista, e não aos curadores. Se a instituição Fundação Bienal de São Paulo era, perante a justiça, certamente co-responsável pela situação, do ponto de vista pessoal era o artista quem estava infrigindo a lei eleitoral do país. Esperamos, contudo, que essa falsa informação contida no texto tenha sido devida a um problema de “desentendimento línguístico” e não a mais um ato de má-fe do artista.
8. Deixe-se aqui claro que a postura da curadoria da 29ª Bienal de São Paulo é a de defender toda e qualquer proposta artística desde que não esteja transgredindo normas legais. Pode-se discordar dessa postura (“covarde”, diria o Sr. Roberto Jacoby), mas acreditamos que é uma postura responsável e ética quando se está trabalhando com recursos públicos, arrecadados e distribuídos também sob preceitos estabelecidos em lei em um regime democrático. É por essa razão que a curadoria está defendendo a permanência de outras obras que também têm se mostrado polêmicas na 29ª Bienal de São Paulo ao mesmo tempo em que solicitou ao Sr. Roberto Jacoby o encobrimento ou retirada unicamente dos itens de sua obra que configuravam propaganda eleitoral em favor da candidata Dilma Roussef. Enquanto as primeiras não estão infrigindo qualquer lei acordada por princípios democráticos (ainda que pessoas ou grupos sociais se sintam ofendidos por elas e se manifestem ativa e livremente contra a permanência dessas obras na mostra dentro e fora do espaço da Bienal), o trabalho do Sr. Roberto Jacoby desafia a lei brasileira que regula campanhas eleitorais no país.
9. Ao contrário do que o documento divulgado pelo Sr. Roberto Jacoby sugere, todo elemento discursivo e participativo que seu projeto continha (debates, oficinas, etc) foi mantido, inclusive com críticas diretas e com frequência ofensivas aos curadores da 29ª Bienal de São Paulo, à instituição e ao sistema da arte em geral. A idéia de que o artista e sua “Brigada Argentina por Dilma” redigissem o texto aqui comentado (São Paulo Arde: o espectro da polítca na Bienal) e o afixasse no espaço expositivo foi, ademais, uma sugestão da própria curadoria, como o próprio Sr. Roberto Jacoby certamente pode atestar. A lastimar apenas a inclusão não-autorizada dos nomes de respeitadas pesquisadoras brasileiras como signatárias desse documento, que, em correspondência privada aos curadores e também aos responsáveis pela divulgação do texto do Sr. Roberto Jacoby, afirmaram não ter concordado nem com o conteúdo nem com os termos do texto escrito pelo artista e que não haviam autorizado a inclusão de seus nomes na lista de seus apoiadores, levando-as a ir pessoalmente ao espaço expositivo para retirar o seu nome da mesma. É lamentável que, mesmo após a manifestação das pesquisadoras, a lista continue a ser divulgada em diversos sítios da internet com suas assinaturas, induzindo os leitores a grave erro. Também ficou acertado entre curadoria e artista, sob o testemunho de diversos outros membros da “Brigada Argentina por Dilma” e da Bienal de São Paulo, que o presente texto, esclarecendo os motivos da curadoria, seria redigido e afixado junto ao texto do artista no espaço expositivo. Assim, em momento algum, a sua “máquina de produzir antagonismos”, como ele mesmo a designa, foi desativada. Os únicos elementos dela retirados foram aqueles que configuravam crime eleitoral no Brasil, conforme dito acima.
10. A posição de vítima em que o Sr. Roberto Jacoby se coloca não condiz com a natureza de seus atos durante todo o processo que antecedeu a abertura da 29ª Bienal de São Paulo. Além dos fatos já relatados acima, o artista e demais membros da “Brigada Argentina por Dilma” criaram, ao longo da montagem da mostra, situações que visaram tão somente acirrar os ânimos entre o grupo e a instituição, em prática que desnuda as práticas políticas que o Sr. Roberto Jacoby realmente preza. O mais grave é que tais práticas tiveram como alvo preferencial o trabalho de outros artistas presentes na mostra, que em dois casos foram literalmente escalados por membros da “Brigada Argentina por Dilma”, colocando em risco a sua integridade (fatos lamentáveis presenciados por dezenas de pessoas que trabalhavam no prédio incluindo, em uma das ocasiões, um dos curadores-chefes). O desrespeito explícito pelo trabalho alheio (também expresso em provocações verbais durante todo o processo de montagem) diz muito do grau de autoritarismo que a prática do Sr. Roberto Jacoby embute, ainda quando travestida de correção política.
11. Por essas razões, é razoável supor que o Sr. Roberto Jacoby não se importe nem um pouco com os desdobramentos negativos que seu trabalho viesse a provocar sobre a inserção da Bienal de São Paulo no corpo social brasileiro, posto que parece basear sua prática em uma oposição simplista e retrógada entre artista e instituição. Menos que um real comprometimento com as mudanças sociais que uma eventual vitória da candidata Dilma Roussef possa representar para o Brasil e o continente latino-americano, o que parece de fato lhe interessar é a criação de um embate artificial entre o seu trabalho e os limites do meio artístico, causando o máximo de efeito midiático em proveito próprio. Não temos quaisquer problemas em admitir que, no presente caso, chegamos aos limites da instituição, e que tal admissão permita que o trabalho do artista “funcione” a contento. Não surpreendentemente, o Sr. Roberto Jacoby afirmou, durante a reunião em que comunicamos a impossibilidade da permanência dos elementos da propaganda eleitoral na obra, que documentaria todo o processo de retirada/encobrimento desses elementos para inclui-lo como parte de projeto para a próxima Bienal de Veneza. O texto supra-referido, acreditamos, certamente também será parte desse trabalho, e desde já autorizamos este nosso texto a também ser integrado ao projeto do Sr. Roberto Jacoby, caso ele assim o deseje e desde que o inclua na íntegra. Nossa contribuição à sua prática.
12. Quanto à referência à inclusão do Tucumán Arde na 29ª Bienal de São Paulo sob o título Grupo de Arte de Vanguardia, em que o Sr. Roberto Jacoby afirma tratar-se de mais uma prova da falta de comprometimento da curadoria com a radicalidade do fato político, temos a declarar o seguinte: 1. São amplamente conhecidas as divergências que existem, entre pesquisadores do tema (inclusive entre alguns dos signatários do documento escrito pelo artista), sobre as formas de apresentação e de nomeação desse complexo evento ocorrido na Argentina em 1968; 2. Optamos por adotar o formato e a maneira de titular em diálogo com pesquisadores e curadores do Museu de Arte Contemporánea de Barcelona (MACBA), proprietário do acervo documental que foi emprestado para exibição na 29ª Bienal de São Paulo. Chega a ser constrangedora, contudo, a aproximação, sugerida no texto divulgado pelo Sr. Jacoby, entre o evento Tucumán Arde e o projeto por ele apresentado na 29ª Bienal de São Paulo em termos de sua relevância politica. Este, sim, é um fato que diz muito a respeito dos abusos que a palavra “política” é hoje submetida no campo da arte.
Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias
Curadores-chefes da 29ª Bienal de São Paulo
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