Confesso, antes mesmo de ser torturado: fui semana passada ao interior paulista em viagem inteiramente bancada pelo contribuinte. Quer dizer, quase inteiramente bancada, porque tive que pagar a média com leite e um salgado que foi meu café da manhã no aeroporto de Viracopos, em Campinas (pois precisei sair de casa, na Ilha, por volta das seis e meia da matina), e desembolsar o custo das 37 horas em que meu carro repousou no estacionamento do aeroporto Hercílio Luz. E sim, claro, não gozei de diárias ou compensações outras.
Não se computa, nessa conta, o investimento feito durante a 11ª Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto: não há desgraça nem prazer maior para um escritor do que ver-se enfiado no meio de uma feira de livros: ele jamais sairá dali sem uma sacola repleta de livros.
Pois bem: o povo catarinense pagou para que eu fosse a Ribeirão, a mim e a mais oito ou nove escritores da terra, porque Santa Catarina foi o estado homenageado desta edição da Feira (como já havia acontecido em 2009 na 55ª Feira do Livro de Porto Alegre, a maior do País - esta é a segunda). A comunicação da homenagem ocorreu em fevereiro, quando a prefeita ribeirão-pretana reuniu-se aqui com o governador barriga-verde. Na oportunidade, Raimundo Colombo assegurou sua presença na abertura solene do evento.
Correm lendas por aí segundo as quais o nosso governador não consegue dormir em voo. Assim, cada viagem sua ao exterior renderia dois dias de prejuízo ao contribuinte por causa das recuperações governamentais na ida e na volta. Como ele teria chegado em São Paulo de viagem à Europa na manhã da abertura, seu deslocamento a Ribeirão ficaria inviabilizado. O fato é que ele não foi à inauguração da Feira, conforme prometera e agendara, quando daria uma palestra e uma demonstração eloquente de que, finalmente, tínhamos um governador que se interessa por livros e literatura. Não sucedeu assim, e supõe-se que haja justificativas para tal.
Se o governador não foi, decerto iria o vice, substituto legal em seus impedimentos. Mas o vice também não foi. Não indo o vice, terá ido ao menos o secretário de Turismo, Cultura e Esporte. Mas o secretário, solidário ao chefe, igualmente faltou. Sobrou o diretor geral da Secretaria. Este foi, mostrando a que nível está relegada a Cultura em Santa Catarina, mas quem defendeu as cores do Estado, numa palestra brilhante e didática, foi o jornalista Moacir Pereira, autor de diversos livros.
Mas isso não é nada. O estande especial do Estado foi montado pela Santur, do Turismo, que tem vasta experiência em feiras, e o fez muito bem. A FCC, da Cultura, omitiu-se ou foi omitida do evento e o seu presidente apareceu na abertura da Feira, e só. Sequer os livros premiados e publicados pelo Estado no bissexto Concurso Cruz e Sousa estavam disponíveis.
Pior: numa feira de livros, nenhuma obra de autor catarinense pôde ser vendida porque não havia estrutura para isso num estande forrado de belas imagens das atrações turísticas do Estado. Livros, lá, fizeram parte da decoração, como elementos coadjuvantes de uma estante, com suas lombadas viradas para o distinto público.
Com mais de 600 atrações, de palestras literárias e encontros com escritores até apresentações musicais - sem uma única dupla pseudossertaneja que fosse -, não foi programada a participação de catarinense algum nos debates.
É assim que se desperdiçam oportunidades raras, valiosíssimas, e se joga fora o rico dinheirinho do contribuinte.
Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados.
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