Li a Nobre Arte do Palhaço com a curiosidade de uma criança com um brinquedo novo. E para cada página virada, surpreendentemente, vi o brinquedo se desdobrarem tramas e cenários que revelavam diversas perspectivas e personagens. Marcio Libar, sem perder o ritmo e o rumo de uma estrada sinuosa, conduz seus leitores no caminho que ele mesmo percorreu durante várias fases do aprendizado e aprimoramento da arte do palhaço, iniciando com a narração de suas origens, suas escolas e seus mestres, entrando na lona do circo, invadindo o picadeiro e vestindo roupa e o nariz de palhaço.
Este livro é muito mais que uma biografia, ele representa a jornada de um homem comum em busca de sua essência. E nesse caminho ele revela vários nascimentos: o do Teatro de Anônimo, o do Anjos do Picadeiro, o do amor pelo palhaço, um amor confesso de uma nova geração, agora não mais a das grandes famílias mambembes, mas a dos que se aventuraram em diversas escolas, seja a rua, sejam os retiros com mestres tradicionais, sejam as escolas especializadas. E com uma riqueza de detalhes capaz de fazer inveja a qualquer romancista, vivemos juntos, nas páginas mais emocionantes do livro, o nascimento de Cuti-Cuti, plasmado não da costela de um homem, nem do sopro de um Todo-Poderoso, mas da entrada nos locais m ais escondidos e inacessíveis da matéria humana: da poça de baba do choro mais irracional, da caída das máscaras aparentes, da revelação do que é mais verdadeiro na personalidade.
Como Montaigne, embora sem se isolar na torre, foi justamente na busca mais profunda de si mesmo, que o homem encontrou seu outro, seu duplo, a porção que geraria o artista autêntico. Para Marcio Libar, não basta ser palhaço, é preciso ter acesso à verdade e assim o ser verdadeiramente. Essa a condição para encontrar o caminho próprio que levará ao alto da montanha, sem medo dos riscos e aceitando qualquer perda, pois depois que se perdeu tudo não se tem mais nada a temer.
O nascimento do palhaço não encerra o livro, seu amadurecimento, pautado pela inquietude própria do artista e o interesse contínuo na pesquisa, revela toda uma rede da trocas forjada pelos palhaços dessa geração que está fazendo a história do circo e da comicidade hoje. Este o maior desdobramento do livro: ao escrever sua história, Marcio Libar deixa um documento de uma geração audaciosa, transgressora e ao mesmo tempo profundamente conhecedora da melhor tradição circense.
Dá gosto ler A Nobre Arte do Palhaço. Marcio Libar construiu uma trama com evoluções de cenas, clímax e tudo o mais que há nos melhores livros de ficção. Quando nos damos conta que é tudo pautado sobre acontecimentos reais, admiramos ainda mais este livro pela maneira que seu autor encontrou para narrar o vivido.
Ieda Magri
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